Dessa vez ela estava ali porque queria, mesmo que o pai a obrigasse, dessa vez ela estava ali disposta a ouvir toda aquela gritaria, aquelas músicas horríveis, aquela falação sem sentido em meio a prantos, lamentações e outras manifestações emocionadas. 

Gastava muita energia estar em meio àquela multidão e ser a única pessoa a não fazer aqueles gestos repetitivos, mesmo que ela não entendesse o porquê daquelas palavras proferidas – … venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade… – de colocar o polegar na testa, no peito e nos ombros e dizer amém, mesmo assim ela cedeu, fazendo os gestos de forma mecânica. Assim era mais fácil pensar, parecia que sempre que ela estava naquele lugar, escutando coisas que não concordava, era quando ela mais pensava. Então fazia-se necessário criar estratégias para evitar a fadiga.

Decerto começar a meditar foi o que a ajudou a suportar tudo aquilo. Depois de algumas semanas de meditação, ela percebeu sua mente cada vez mais livre. Os pensamentos dançavam mais improvisadamente coreografados, era como um novo super-poder, assim como a leitura, a escrita, os desenhos e as pinturas, o parkour. E era esse mesmo o sentimento: empoderamento! A prática deveria ser constante, frequente, porque todo poder pode ser perdido.

"quais seriam as vontades desse deus?"
pensava ela inquieta internamente.
"por que deus,
sendo Deus
teria vontades,
desejos ou ambições?
ele deseja toda essa devoção e adoração?
em todo o universo existente,
que tipo de criatura desejaria
toda essa servidão aos próprios desejos?"
…mas, livrai-nos do mal…  
"seria mal confrontar um ser tão
tão narcisista assim?
seria mal
não fazer o que ele deseja?
questioná-lo mesmo que em pensamento?" 

Mesmo com a certeza da condenação divina, ela deixava os pensamentos fluírem livremente. Às vezes, eles abafavam a voz do vigário e aquilo a acalmava. Era uma calma enorme, que ocorria por contraste no tempo, pois aquele era um ambiente que sempre a deixava nervosa e ansiosa, mas agora ela tinha o poder do desprendimento, e desejava cada vez mais aprimorar aquilo. Então, respirou devagar com os olhos embaçados. 

Quando a atenção dela voltou-se ao vigário, coincidentemente ele estava falando sobre meditação. – ... porque meditar é coisa do demônio, do encardido! – Não sabia como ele havia começado aquele discurso e teve medo de como terminaria. – Não tenha dúvida de que meditar vai queimar seus neurônios e vai te desviar do caminho de DEUS! Não dizem por aí que cabeça vazia é oficina do diabo? Pois bem, não dê bobeira para o satanás, esvaziando sua mente com essas práticas pagãs!

" P*ta que pariu!"